Marçal de Aquino é
jornalista escritor e roteirista de cinema brasileiro. Tem livros de literatura
em prosa infantil e adulta publicados, assim como de poesias.
Primeiramente, não
é possível deixar de comentar sobre esse título. Em
uma palavra: poético. Além de compactuar fielmente com a história e com os
personagens, como poderá ver quem puder ler o livro inteiro, pois esse título
condiz perfeitamente com o amor entre os protagonistas.
Esse livro conta a
história de um amor proibido entre uma linda, fatal, doce, escandalosa, meiga,
devastadora e casada mulher chamada Lavínia e um fotojornalista chamado Cauby. Ela é uma moça de origem humilde, nascida em Linhares,
cidadezinha de Espírito Santo, sem futuro e sem passado promissores. Os dois se
conhecem numa pequena cidade do Pará, onde coincidiram de morar. Ele vive uma
vida boemia, desorganizada e ela é a esposa de um respeitado pastor. Ambos sem
grandes expectativas pessoais, vão se conquistando aos poucos até cederem
completamente um ao outro.
"Eu afundaria todos os navios essa noite, Lavínia. Incendiaria um porto. Só pra ver o brilho das chamas refletindo nos seus olhos escuros".
"Eu afundaria todos os navios essa noite, Lavínia. Incendiaria um porto. Só pra ver o brilho das chamas refletindo nos seus olhos escuros".
A trama principal
é sobre esse romance que se desenrola essencialmente carnal e, de todo,
hedonista, porém, que não deixa de perder a alcunha de “amor”. Há ainda uma
trama secundária, gerando uma contraposição ou comparação entre o
relacionamento mais do que concretizado de Lavínia e Cauby e um amor platônico
de outro personagem, o careca, por sua idolatrada Marinês.
“O
careca não cansa de repetir que a esperança é o pior dos venenos? É. Porém
muitas vezes é também o único remédio.” (Cauby)
O livro é narrado
em flashes. Uma estratégia boa pra quem não quer se apegar a ordens
cronológicas ou à sequências de acontecimentos próximos. É como se fosse
possível “escolher” os fatos principais que supostamente residem na memória dos
personagens para caracterizá-los e criar seus ambientes. Os flashes são
apresentados pelos pensamentos do protagonista masculino, que está envolvido em
um diálogo longo e emaranhado com seu amigo careca, que conta pela enésima vez
a história que conviveu com Marinês, o amor da sua vida. Essa conversa dos
amigos segue o livro do começo ao fim.
Intercalando as
duas histórias de amor e as teorias reais de um psicanalista atual chamado Dr.
B. Schianberg, o livro faz uma análise sobre conquistas sexuais e amorosas.
Fala sobre os tipos de comportamento que as pessoas têm nos relacionamentos.
Fala do ciúme, do desejo, das atrações, dos detalhes, da cumplicidade e muito
mais. Cauby é supostamente um grande fã do psiquiatra, por isso, as teorias são
mostradas nos pensamentos dele, junto com o seu enlace amoroso, que é usado
para testar as afirmações de Schianberg.
“O amor é
sexualmente transmissível”. Eis a tese que o livro defende quase cientificamente. O casal principal é usado como prova por sua pureza de sentimentos nascentes do contato
físico, livre e "proibido".
“Lavínia me beijou
no rosto e entrou em casa. O engraçado é que eu estava meio nervoso, e ela
também. Tensos. Schianberg sustenta que temos sensores internos, animais, que
nos avisam em certas ocasiões. As especiais.”(Cauby)
No desenrolar do
romance proibido e "secreto" dos protagonistas, ambos são vítimas de censuras,
intromissões e chantagens das quais se esquivam e tentam até mesmo ignorar
porque se desejam demais e para eles nada é tão forte e vívido quanto isso.
"O professor Schianberg diz que a natureza do amor, de não
nos permitir escolher por quem nos apaixonamos, é uma rota que pode conduzir à
ruína. Entendo por que Schianberg escreveu isso. E dou razão a ele. Alguns
amores levam à ruína. Eu soube disso desde a primeira vez em que Lavínia entrou
na minha casa.”(Cauby)
O leitor é transportado para uma pequena cidade com gente de vidas lentas e
comuns. Mas tudo sem ideias preconceituosas e estereótipos. Para quem conhece pequenas cidades assim, há uma sensação de
identificação com as festinhas, com a religiosidade, com a falta do que fazer, com
as fofocas que todos ficam sabendo, etc. O livro foi bem ambientado.
Os personagens são
interessantes desde os seus nomes: Dona Jane, Pastor Ernani, Cauby,
Lavínia, Marinês, Chang, Zacharias, entre outros. São nomes peculiares e que
também contribuem para criar a atmosfera da história. Cada um dos personagens
secundários tem particularidades nas atitudes que nos revelam as suas
impressões, tornando-os assim, caricatos (não no sentido clichê, mas no sentido
de causarem impressões coerentes).
Quanto à Lavínia, a personagem enigmática e paradoxal do livro, seu
desenvolvimento não é de decepcionar. Ela tem oscilações de comportamento
drásticas que se explicam no decorrer da trama através da recontagem do seu
passado. Lavínia hora age como se os prazeres sensoriais fossem
seu combustível vital, hora como se a pureza física pudesse redimi-la de tudo,
sem contar com seus surtos enlouquecidos esporádicos. Viajando um pouco,
gostaria de fazer uma análise pessoal: Lavínia teve uma vida sexual excessiva e
precoce. Acredito, particularmente, que o autor quis fazer um paralelo entre
ela e as histéricas de Freud que enlouqueciam pela repressão sexual (ainda
existem tais histéricas até hoje, já que a repressão ainda não acabou, apenas
ficaram famosas pelos estudos daquela época). Não porque ela tenha sido
reprimida, mas porque também conheceu e vivenciou o sexo de forma desequilibrada,
porém, excessiva, numa linha tênue entre o natural e o doentio. Isso é muito
interessante de se observar na narrativa.
Apesar dos problemas de Lavínia parecerem inicialmente sem pé nem cabeça, o autor os explica e até lhes confere uma boa lógica. Não fica nada mal terminado nesse livro.
Apesar dos problemas de Lavínia parecerem inicialmente sem pé nem cabeça, o autor os explica e até lhes confere uma boa lógica. Não fica nada mal terminado nesse livro.
A escrita é
simples e direta, com um predomínio de frases curtas. O conteúdo é apresentado
sem rodeios, de forma clara. Os discursos são do tipo indireto livre (quando as
falas dos personagens se confundem com as do narrador).
Pra concluir, vale ressaltar que esse livro é muito pesado. É cru e
às vezes chocante. Tanto no que concerne o relacionamento dos personagens quanto nas teorias.
- Beatriz Marques
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